Escândalo sexual: jovens abusados por padres revelam seus dramas

Um escândalo de abuso sexual envolvendo o padre Pedro Leandro Ricardo, da cidade de Araras, localizada a 180 quilômetros de São Paulo, chocou o Brasil alguns anos atrás. O caso, que foi premeditado em detalhes, revela uma série de atrocidades cometidas pelo clérigo ao longo de décadas e sua posterior tentativa de acobertamento por parte da hierarquia da Igreja Católica. As informações são da Veja.
Tudo começou depois de uma missa na zona rural de Araras, quando o padre Pedro Leandro Ricardo convidou o coroinha Ednan Aparecido Vieira, então com 17 anos, para passar a noite na casa paroquial, sob a desculpa de auxiliar na missa do domingo de manhã. No entanto, o que parecia ser uma situação comum logo se transformou em um pesadelo para o jovem coroinha.
Após uma série de perguntas invasivas sobre a vida íntima do garoto, o padre Leandro revelou suas verdadeiras intenções ao aparecer seminus na sala e tentar forçar o adolescente a ter relações sexuais com ele. Ednan, em estado de choque, conseguiu interromper o ataque. Surpreendentemente, no dia seguinte, o padre celebrou a missa como se nada tivesse acontecido, e o coroinha continuou a auxiliá-lo normalmente.
Esse caso faz parte de um dos maiores escândalos recentes da Igreja Católica no Brasil, envolvendo o padre Leandro e outras vítimas. As denúncias foram enviadas ao Vaticano em dezembro de 2018, mas somente recentemente vieram à tona, graças ao trabalho da advogada Talitha Camargo da Fonseca e do produtor audiovisual José Eduardo Milani, que reuniram evidências e relatos das vítimas.
O padre Leandro, que era conhecido por sua liderança carismática na periferia de Araras, contava com a proteção de dom Vilson Dias de Oliveira, bispo emérito da Diocese de Limeira, o que tornava difícil qualquer ação contra ele dentro da Igreja. No entanto, graças à pressão internacional e às recentes diretrizes do Papa Francisco, o padre Leandro foi afastado das funções de padre e reitor da Basílica de Santo Antônio de Pádua e está sob investigação.
As denúncias não se limitam apenas ao abuso sexual, mas também incluem alegações de extorsão por parte do bispo Vilson, que supostamente exigia propinas dos padres envolvidos em condutas condenáveis para evitar investigações. As vítimas também alegam que o bispo Vilson possuía um patrimônio imobiliário substancial em seu nome.
No caso de Araras, o bispo Vilson Dias de Oliveira não tomou medidas em relação às denúncias que estavam sob sua responsabilidade. Além das acusações contra o padre Leandro, também surgiram vítimas dos padres Carlos Alberto da Rocha e Felipe Negro. O dossiê enviado ao Vaticano não se limita apenas a casos de pedofilia; há fortes indícios de uma prática conhecida como “mensalinho do abuso”. As vítimas alegam que o bispo exigia pagamentos dos padres envolvidos em comportamento condenável, a fim de permitir que continuassem suas atividades sem investigação. Essa prática aparentemente gerou benefícios financeiros visíveis, já que Vilson possui dez propriedades registradas em seu nome, todas localizadas em São Paulo, sendo metade delas em Guaíra e as outras em Itanhaém, no litoral sul paulista. Uma estimativa conservadora sugere que o valor total desse patrimônio ultrapassa 1,5 milhão de reais, constituindo um verdadeiro milagre da multiplicação imobiliária.
O Papa Francisco tornou obrigatório que padres e religiosos denunciem suspeitas de abuso às autoridades eclesiásticas e encorajou as vítimas a relatar os casos.
No entanto, críticos apontam que o documento não exige que os casos sejam relatados às autoridades civis, o que levanta preocupações sobre a eficácia das medidas. Além disso, a lentidão da Igreja em lidar com esses casos continua sendo um problema, deixando muitas vítimas sem justiça por anos.
“Era coroinha e andava de carro com o padre Pedro Leandro Ricardo para os trabalhos da igreja. Um dia, ele começou a esbarrar a mão na minha perna, e eu achava que poderia ser brincadeira. Em um sábado, convidou-me para dormir na casa paroquial porque iríamos celebrar missa no domingo. Fiquei sozinho com ele. O padre perguntava se eu tinha namorada, se eu era virgem… No meio da conversa, abriu um vinho e pediu que eu bebesse. Eu tinha 17 anos. Tomou quase a garrafa inteira. Depois, foi ao banho. Quando voltou, vestia apenas uma cueca samba-canção. O pênis estava ereto, marcando o tecido. Veio em direção ao sofá, começou a se masturbar e pediu que eu fizesse sexo oral nele. Mesmo com a minha recusa, começou a acariciar meu pênis. Fiquei em choque e me levantei. Não fizemos nada. Não consegui dormir, de pânico. No dia seguinte, na missa, só lembrava da imagem dele vindo para cima de mim.”
“O padre Pedro Leandro Ricardo me olhava de forma diferente. Eu tinha 16 anos, quando ainda não me entendia como uma mulher transexual. Como meu pai havia morrido, achava que o pároco tinha carinho por mim. Ele começou a ficar ao meu lado enquanto eu vestia a túnica de coroinha. Depois, passou a me ajudar com as vestes para tocar o meu corpo, com a desculpa de desamassar o tecido. Um dia, abriu as minhas pernas e segurou as minhas coxas. Dei um berro na sacristia e saí correndo. Meu corpo tremia. Na hora, lembrei do abuso sexual que havia sofrido aos 3 anos do meu padrasto. Após o episódio, o Leandro me tirou das atividades da igreja. Tempos depois, já com 18 anos, quando fui estudar no seminário, tive um caso com outro padre, o Felipe Negro. ‘Quem não tem padrinho morre pagão’, ele me dizia. Eu era pobre, e o padre me oferecia dinheiro para comprar roupa. Em troca, tinha de transar com ele. Seminário é uma fábrica de pervertidos: há sexo, coação, abuso de poder… Desisti de ser padre. Meus abusadores percebiam meus trejeitos femininos, eu era uma presa mais fácil. Hoje sou uma mulher trans e, apesar de tudo, não perdi minha fé em Deus.”
“Minhas duas irmãs mais velhas morreram por problemas de saúde e minha família ficou muito apegada à igreja. Nós nos sentíamos acolhidos, protegidos. Fui por muitos anos coroinha da Paróquia São Francisco de Assis, na periferia de Araras. Quando o padre Pedro Leandro Ricardo assumiu a igreja, em 2002, mantive minha rotina de ajudar nas missões na zona rural. Na época, eu tinha 16 anos. Em um de nossos primeiros encontros, ele elogiou meu corpo e meu visual. No carro, esbarrou na minha perna. Depois, celebrou a missa como se nada tivesse acontecido. Na volta, porém, foi mais direto: enquanto dirigia, pegou no meu pênis. Tivemos uma discussão feia dentro do carro. No dia seguinte, enquanto eu vestia a túnica de coroinha da missa de domingo, Leandro disse que não precisava mais de mim. Como não pôde avançar no abuso, ele me expulsou da igreja. O monstro não conseguiu o que queria e me tirou a base da minha vida social. Por medo, não contei aos meus pais. Eles amavam a igreja, e eu não quis desapontá-los. Segue assim até hoje. Fiquei com sequelas e cheguei a tomar remédio para síndrome do pânico.”
“Meu pai morreu quando eu tinha menos de 2 anos e minha mãe trabalhava como faxineira na igreja. Eu vivia ali dentro. Fui coroinha e sonhava em ser padre. O padre Carlos Alberto da Rocha era para mim uma figura paterna. Meu martírio começou aos 16 anos. Eu o ajudava nas missas e, muitas vezes, dormia na casa paroquial, pois estudava em outra cidade. Quase toda noite, durante um ano, ele me molestou (chora). O padre tocava meu pênis, me masturbava. Minha primeira ejaculação foi resultado de uma experiência de medo, forçada, nojenta. O padre dizia que aquilo era normal e fazia ameaças. Dizia que, se eu abandonasse a Igreja, iria virar um bandido por ser pobre. E também que ninguém acreditaria na minha palavra porque não tinha pai (chora). Pouco antes de morrer de câncer, minha mãe me disse, deitada na cama: ‘Sorte que o padre vai cuidar de você’ (chora muito). Ela foi embora sem saber que seu ídolo era um monstro. Quando comecei a trancar a porta do quarto e interrompi os abusos, Carlos Alberto me tirou da paróquia. Passados alguns meses, quando eu era seminarista, foi a vez de o padre Pedro Leandro Ricardo me atacar. Dentro de uma Kombi, a caminho de uma missa, ele pôs a mão em meu pênis. Resisti ao ataque e, uma semana depois, ele veio me dizer que eu havia ‘interpretado errado’. Abandonei o sonho de ser padre. Hoje sou casado, tenho uma filha de 3 anos. Minha mulher não sabe de nada.”
“O padre Felipe Negro era novo na paróquia quando me mandou um ‘oi’ no Facebook. Eu tinha 16 anos. Ele começou a conversar comigo e perguntou se eu trabalhava. Venho de uma família pobre e estava buscando emprego. Felipe me prometeu que eu seria sua secretária. Um dia, sugeriu que fôssemos jantar. Ficava me perguntando se eu tomava bebidas alcoólicas e me oferecia coisas caras. Prometia celular ou roupas de marca se eu topasse um encontro. Concordei em jantar na sua casa, na esperança de arrumar o emprego. Fomos pegar uma pizza. Comemos e tomamos vinho. Ele não falou nada sobre o trabalho. Não aconteceu nada entre nós, e ele me levou de carro de volta para casa. O padre me chamava de ‘anjo’, ‘linda’ e ‘amor’. Dizia que queria repetir o encontro porque aquela tinha sido uma noite muito agradável. Foi aí que me dei conta de que a conversa não tinha nada a ver com emprego. Meus pais conversaram bastante comigo e disseram que o padre estava mal-intencionado. Senti muita vergonha e uma tristeza imensa. Agora somos só eu e Deus. Para a igreja não vou mais. Nunca mais vou ver um padre com bons olhos.”
Este escândalo de abuso sexual na Igreja Católica brasileira revela a urgente necessidade de mudanças e transparência dentro da instituição, para proteger as vítimas e responsabilizar os culpados por seus atos.