130 anos da abolição da escravatura no Brasil
Telefunken fala sobre as conquistas das militâncias; o negro na atualidade e o racismo.

Neste ano é comemorado os 130 anos da abolição da escravatura no Brasil, em referência a Lei Áurea, sancionada em 13 de maio de 1888. A data é importante para se discutir sobre a inserção do negro na sociedade atualmente; das dificuldades no mercado de trabalho e outros desafios que envolvem a desigualdade racial no país.
Vários dados apontam a existência do racismo no Brasil, resultado do processo histórico e da falta de políticas públicas efetivas para inserir os negros na sociedade. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), a população negra é a mais afetada pela desigualdade e violência no país. Já no mercado de trabalho, pretos e pardos enfrentam desigualdade na progressão da carreira e na igualdade salarial, além da vulnerabilidade ao assédio moral, como aponta o Ministério Público do Trabalho.
No Atlas da Violência 2017, os negros aparecem como maioria dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios. Dos 10% de possíveis vítimas, os negros correspondem a 78,9%.
O feminicídio, quando uma mulher é assassinada por sua condição de gênero, é outro indicador do racismo no Brasil. O Mapa da Violência 2015 aponta que, entre 2003 e 2013, o número de mulheres negras assassinadas aumentou 54%, realidade diferente no caso de feminicídio de mulheres brancas, que caiu 10% no mesmo período. As negras também são as mais vitimadas pela violência doméstica. O Ligue 180, uma central de atendimento à mulher, revela que, em 2015, as mulheres negras foram vítimas de 58,68% dos casos registrados.
No índice de mortes violentas, homens, jovens, negros e de baixa escolaridade são as principais vítimas no Brasil, sendo que a população negra corresponde a uma maioria de 78,9% dos 10% de indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios. A cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negra. Os negros têm 23,5% a mais de chances de serem assassinados em relação a brasileiros de outras raças. Os dados são do Atlas da Violência 2017.
Mais da metade dos presidiários do Brasil são pretos e pardos, como mostra o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen). Dos 622 mil brasileiros presos, 61,6% são pretos e pardos, sendo mais de 300 presos a casa 100 mil habitantes.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), de 2017, mostra que os pretos e pardos correspondem a 14,6% na taxa de desocupação com a onda de desemprego. Para os trabalhadores brancos o índice é de 9,9%. O rendimento médio dos negros também fica abaixo do rendimento dos brancos: 1,5 mil contra 2,7 mil reais, respectivamente.
Ainda em relação ao mercado de trabalho, mesmo após 130 anos da abolição da escravatura, o trabalho forçado ainda existe no Brasil, assim como as condições degradantes de trabalho, jornadas exaustivas e servidão por dívida, questões que foram discutidas por participantes da audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), realizada na última terça-feira (15).
Em entrevista ao Sou Notícia, Antônio Carlos Dias, mais conhecido como Toninho Telefunken, 61, reforça a importância da luta por igualdade racial no Brasil. Ele acredita que, por toda sua história de vida, desde criança, sempre esteve envolvido com a questão da negritude pelo fato de ser negro, o que acabou ocasionando seu engajamento e proporcionando que ele se tornasse uma liderança negra na cidade.
“Cresci acompanhando a história de Martin Luther King, o que me inspirou muito. Eu criei um amor por essa questão de negritude. Comecei a participar dos primeiros movimentos negros que conheci. Quando tinha 20 anos eu conheci em Poços de Caldas um movimento que se chamava Quilombo dos Palmares, uma escola de capoeira que fazia todo um trabalho de conscientização. Naquela época, havia uma questão racial muito séria. Casas de shows nas quais não eram permitidas a entrada de negros. Até mesmo aqui em nossa região, clubes separavam as pessoas por raça. Tudo vem do processo da abolição; da demora pelo fim da escravidão aqui no Brasil. Mas em outros países, como Estados Unidos, por exemplo, também enfrentaram essa questão. Lá houve uma segregação racial e Martin Luther King acabou morrendo por se tornar uma liderança importante pro movimento. Aqui no Brasil é diferente. Houve um miscigenação, o que infelizmente proporcionou toda essa questão de racismo”, reforça Toninho.
O líder negro afirma que teve muita influência em Itabirito, como o professor José Bastos Bittencourt, que era meu padrinho e me ajudou muito nessa questão pois ele já realizava discussões, como encontros de congadeiros no dia 13 de maio. A questão cultural, segundo Toninho, também estava mais arraigada antigamente, com escolas de samba que tinham muito envolvimento com a questão racial.

Atualmente, Toninho tem um programa na rádio Cidade FM, que se chama “Samba na Cidade” e, no último sábado (12) abordou os 130 anos da abolição da escravatura no Brasil. Ele também fez uma homenagem às mães negras, pelo Dia das Mães, também celebrado no dia 13 de maio este ano. Houve ainda uma homenagem ao Nilton Jorge Mendonça, mais conhecido como Cabulô, que era um amigo pessoal de Toninho e o ajudou na militância negra em Itabirito, e também no samba. “Ele me passava muito essa questão de liderança porque o trabalho dele como ritmista me inspirou e me ajudou a chegar onde cheguei. Ele era um líder que me dava base”, relembra Toninho.
Foram 388 anos de escravidão mas, de acordo com Toninho, ainda hoje há muita desvalorização do negro. Ele acredita que houve evolução em vários aspectos, mas que a desigualdade racial é assustadora. “Outro dia eu vi a matéria sobre o edifício em São Paulo que incendiou e caiu e, quando eu vi do lado de fora, as pessoas aos arredores do edifício eram em sua maioria negros. Isso precisa ser trabalhado pois ainda somos os menos favorecidos e precisamos continuar lutando pra tentar reverter”, pondera o militante.
“Antes da abolição, em 1988, a luta já vinha crescendo cada vez mais pois criaram os quilombos e nos quilombos passaram a trabalhar em cima da liberdade do negro. Tanto é que existem leis que antecedem a Lei Áurea, como a Lei do Ventre Livre, que garantia a não escravidão às crianças que nascessem nas casas grandes. A Lei dos Sexagenários, quando os negros com mais de 60 anos conseguiram o direito de não trabalhar mais. Tudo isso foi conseguido pela resistência dos negros; da capoeira; dos ritmos; pela religiosidade afro-brasileira que tem uma influência muito grande nisso”, explica Toninho.
Por fim, Toninho deixa um recado para as pessoas que deslegitimam a luta dos movimentos negros: “É preciso olhar pra dentro de si e deixar de ser racista. É importante sim lutar pelos nossos direitos enquanto pessoas negras e ninguém vai nos calar. Muito axé pra todos e que a luta continue.”