Bolsonaro tenta ganhar apoio das Forças Armadas para projeto autoritário
Reiterados ataques do presidente às urnas eletrônicas e o embate com o TSE fazem o país viver um clima de tensão mais de um ano antes das eleições

Pressionado por uma série de investigações e sem grandes realizações para mostrar no governo, o presidente Jair Bolsonaro se agarra, cada vez mais, ao discurso contra o processo eleitoral, ao mesmo tempo em que emite sinais de que reconhece o risco de derrota na disputa de 2022. Os reiterados ataques dele à democracia mantêm o país sob tensão e assombrado pela ameaça de uma nova ruptura institucional, mais de três décadas após o fim da ditadura militar (1964-1985).
Os últimos episódios da crise política sinalizam que o clima de instabilidade entre os Poderes deve se agravar ainda mais. Bolsonaro intensificou a ofensiva contra a cúpula do Judiciário depois que o aliado Roberto Jefferson – ex-deputado e presidente nacional do PTB – foi preso por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O chefe do Executivo anunciou que, nesta semana, pedirá ao Senado a abertura de processos de impeachment contra o magistrado e o também ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e membro do Supremo.
Ao mesmo tempo, Bolsonaro continua insuflando apoiadores a não respeitarem o resultado das eleições se não for adotado o voto impresso, depois de prometer ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), respeito à posição do plenário da Casa, que rejeitou, na semana passada, a proposta de emenda à Constituição (PEC), que previa essa mudança no sistema de votação.
Outro preocupante foco de tensão é a pressão contínua de Bolsonaro para que os militares engrossem os questionamentos sobre a lisura das eleições e apoiem o seu projeto autoritário. Na semana passada, o chefe do Executivo afirmou que as Forças Armadas são um “poder moderador” e devem “apoio total às decisões do presidente para o bem da sua nação”.
O discurso de Bolsonaro contra o sistema eleitoral tem sido interpretado, no meio político, como argumento para contestar uma eventual derrota na próxima corrida presidencial. As últimas pesquisas apontam para o favoritismo do seu principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nas ofensivas contra o Judiciário, o chefe do Planalto tem acusado STF e TSE de atuarem para favorecer o retorno do petista ao poder.
Enquanto o negacionismo eleitoral de Bolsonaro domina as atenções de boa parte do país, problemas urgentes que afetam todos os brasileiros aguardam respostas do governo, como a tragédia da pandemia da covid-19, o desemprego recorde e a escalada da inflação. São mazelas também relacionadas aos baixos índices de popularidade do presidente, que se vê pressionado a prosseguir com o discurso agressivo, na tentativa de manter, pelo menos, o apoio dos bolsonaristas mais radicais.
Para o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa, o fato de a Câmara ter rejeitado a PEC do voto impresso não foi, necessariamente, uma derrota de Bolsonaro. “Na verdade, para ele, foi o melhor dos mundos. Primeiro, porque mantém o discurso contra o sistema eleitoral. Além disso, o placar da votação foi apertado, o que poucos esperavam. Então, nesse sentido, o resultado dá a ele mais força ainda para manter esse discurso voltado aos apoiadores mais radicais e fiéis”, disse o analista.
César destacou, porém, o fato de o Judiciário dar demonstrações de que os ataques à democracia não ficarão impunes. Ele citou como exemplo a detenção do presidente do PTB. “Com a prisão do Roberto Jefferson, a Justiça manda um recado claro de que não se deve brincar com a democracia, porque democracia é coisa séria. Foi um recado ao presidente: ‘Até aqui você vai, mas, se continuar com essa conversa, pode ter problemas sérios'”, frisou. “É um sinal de que as instituições, ou parte delas, estão querendo demonstrar que nós temos uma linha, da qual não se deve passar. A gente deve ter os próximos meses de mais tensão, mais esgarçamento, mais puxada de corda.”